Começo de um novo ano, planos, metas e uma lista de coisas que queremos deixar para trás. E a ideia de que devemos nos livrar do que não funcionou para irmos adiante. Um mantra que serve não apenas para nossas vidas privadas, mas também para o ambiente de trabalho, especialmente no mundo da comunicação e do marketing. Afinal, num segmento em constante mudança, é preciso identificar e abandonar plataformas, conceitos e até comportamentos que não refletem a nossa realidade.
Se você ainda está em dúvida sobre o que estamos falando, separamos os três principais livramentos para manter bem longe de 2024 e dos próximos anos.
1. A necessidade de lançar a cada ano (mais) uma rede social – o flop do Thread
Basta abrir o Instagram e a sugestão continua lá: o Thread, rede social desenvolvida pela Meta para concorrer com o X (ou eterno Twitter). Lançada em julho de 2023, a novidade não alcançou a glória esperada.
Se em poucos dias, milhões de pessoas baixaram o app, bastaram dois meses para que o entusiasmo desse lugar ao desuso. Segundo O Globo, em setembro, a população brasileira presente no Thread passava uma média de 1 minuto e 50 segundos por dia na plataforma, contra 35 minutos das pessoas usuárias do X. Ainda em terras nacionais, no mesmo período, a presença nos celulares era de 5% para o Thread e 22% para o concorrente.
São várias as hipóteses levantadas para esse fracasso, desde a falta de recursos essenciais, como um local para busca e assuntos em alta, até a similaridade excessiva com outras redes já existentes, o que deixou o Thread com a fama de pouco inovador – o bom mais do mesmo.
Ter surfado na crise de imagem do X, causada principalmente pela megalomania do atual dono (que não poupou nem os anunciantes da plataforma em um painel com The New York Times), também não parece ter sido suficiente para consolidar a nova aposta da Meta. Pelo menos por enquanto.
Zuckerberg, do seu lado, insiste que o Threads ainda está em fase de desenvolvimento e que a empresa está trabalhando para melhorar seus aspectos básicos e reter as pessoas que já utilizam a rede.
Do nosso lado, a análise é de que a rede flopou e não traz grandes promessas para 2024. Torcemos para que este caso seja o suficiente para refletir se realmente precisamos de mais uma rede social.
2. Times de criação sem diversidade e sem o olhar de um bom profissional de RP
Uma “boa ideia” não basta para gerar uma campanha bem sucedida. Em 2023, foram várias as ações de marketing que ganharam mais repercussão pelas suas falhas que pelo produto em si. Mas escolhemos duas que acreditamos ilustrar bem a falta de diversidade – e, por que não, de uma boa agência de comunicação integrada – nos grupos que idealizam e depois aprovam as ativações de marcas.
Quase no fim do ano, a Ypê – com histórico de envolvimentos políticos polêmicos – foi acusada de racismo por instalar uma escultura de uma mão segurando um limpador multiuso em uma rua de um bairro rico de Salvador (BA), como divulgou a Folha de São Paulo.
A repercussão começou nas redes sociais (quem se surpreende?), após a publicação da escritora e professora Bárbara Carine, dona do perfil uma_intelectual_diferentona no Instagram, intitulada “A mão visível do racismo”. Segundo Bárbara, “o lápis cor da pele não pode ser da nossa cor… mas a cor da pele da faxineira tem que ser a nossa né?”, numa reflexão sobre a associação recorrente de mulheres negras a serviços de limpeza, em mais um exemplo evidente de racismo estrutural.
Após diversas críticas apontando a mão como negra, a Prefeitura de Salvador retirou a peça poucos dias após a instalação.
Se vendo as fotos nos parece tão evidente, como ninguém que participou da campanha se atentou a essa discriminação? Será que haviam pessoas pretas representadas nesse board? Qual a diversidade do time de criação e produção responsável pela ativação?
Outra campanha que foi rapidamente tirada do ar ao receber milhares de comentários negativos, foi a Magia Amarela, da Bauducco. Protagonizada pelas cantoras Juliette e Duda Beat, a música homônima foi acusada de plagiar o projeto “AmarElo”, de Emicida, lançado em 2019, como divulgou na época o Valor Econômico. Dentre as semelhanças apontadas entre ambas estavam as cores, a tipografia e o conceito, seus elementos e termos.
A Bauducco negou até o fim a acusação, mas tomou a decisão de cancelar a campanha e arcar com o prejuízo, de imagem e financeiro.
Poucos especialistas se atreveram a afirmar se houve ou não plágio, mas o fato é que a marca se viu cercada por uma crise de reputação inesperada, que atingiu seus produtos, as artistas contratadas e até o time do Emicida (que aliás, havia sido chamado para estrelar essa mesma campanha, mas declinou a oferta).
E aqui trazemos a indagação semelhante: onde estava o time de Comunicação e gestão de crise que não identificou esse risco? Ou será que a decisão foi seguir mesmo com os alertas nos bastidores?
3. Disseminação de fake news e a responsabilidade das redes sociais (incluindo das pessoas criadoras de conteúdo!)
Esse não é um problema do último ano, pelo contrário. Em 2021, o UOL já discutia o alto faturamento dos perfis de fofoca no Instagram com fake news e cancelamentos. Em 2022, o Núcleo, site de jornalismo investigativo, publicou uma matéria detalhando como páginas agenciadas pela Banca Digital, setor de marketing de influência da Mynd8, tinham indícios de coordenação para aumentar o faturamento de publicidades e pautar a internet.
E foi exatamente a Banca Digital, por meio do perfil Choquei!, a responsável pelo caso que gerou revolta e reativou a discussão sobre a responsabilidade das redes sociais no fim de 2023. Após a publicação de captura de telas falsas, sugerindo um relacionamento com o youtuber Whindersson Nunes, uma jovem cometeu suicídio após receber uma enxurrada de ofensas na internet. Sua versão não ganhou espaço e ninguém se questionou sobre o impacto dos discursos de ódio, ironias e piadas debochadas.
Segundo Pedro Doria, em sua coluna do Estadão, o administrador do perfil Choquei!, que acumula mais de 20 milhões de seguidores nas diversas redes, chegou a afirmar no Barbacast: “a gente nunca produz conteúdo, o que a gente posta é conteúdo replicado. Isso aí é papel de jornalista.”
Mas a verdade não é bem assim. Todas as pessoas usuárias de redes sociais – não apenas profissionais da Comunicação – devem ser responsáveis pelo conteúdo publicado, incluindo quem os produz. No meio de tantas polêmicas o caso acabou ficando em segundo plano, mas não esqueçamos que ainda em dezembro diversos influencers promoveram a divulgação de um jogo de apostas, ilegal no Brasil, prometendo lucro garantido. O esquema foi ao ar no Fantástico.
Atualmente tramita na Câmara de Deputados o projeto de lei 2630 (Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet), também conhecido como Lei das Fake News. O objetivo do texto é combater a exposição de violência nas redes sociais, além de trazer responsabilidade e transparência à internet no Brasil. Isso mostra como é importante dialogar sobre possíveis direitos e deveres – já existentes no meio offline – também no meio virtual.
Que em 2024, possamos contar com mais responsabilidade daqueles que noticiam, acreditando que haverá ainda mais verificação dos fatos antes mesmo da divulgação e a redução drástica, com sorte, das fake news.
*Este texto faz parte da nossa newsletter mensal, publicação com análise de acontecimentos, tendências e comportamentos que movimentam a Comunicação e impactem as marcas, além de curadoria de conteúdos relevantes que nossa equipe leu.
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